Desconfiados e severos mas mesmo assim preferimos a estabilidade governativa
Quase 60 por cento dos portugueses acham que José Sócrates mentiu no Parlamento sobre o seu desconhecimento do negócio PT/TVI. Mas que deve continuar a governar.
Leonete Botelho
O primeiro-ministro mentiu no Parlamento quando disse que não sabia que a Portugal Telecom queria comprar a TVI e essa mentira é injustificável. É esta a convicção da maioria dos portugueses, de acordo com uma sondagem da Intercampus feita para o PÚBLICO.
Mas nem essa "mentira" nem a alegada ligação de José Sócrates a escândalos recentes lhe retiram condições para governar. Aliás, se as eleições fossem hoje, o PS voltava a ganhar e reforçava mesmo a sua votação, ficando à beira da maioria absoluta. Um paradoxo com diferentes explicações, na análise dos politólogos.Primeiro os números. São 607 os inquiridos, num universo de 1015, que estão convencidos de que o primeiro-ministro mentiu deliberadamente na Assembleia da República, contra 408 que pensam o contrário. E ninguém deixou a pergunta sem resposta. Quem desconfia mais?Os homens desconfiam mais do que as mulheres (63,7 por cento contra 56,2) e quanto mais novos menos acreditam que Sócrates disse a verdade: 63 por cento dos sub-34, contra 55 por cento dos seniores com mais de 55 anos. Valores semelhantes à variação entre activos e não activos. Na Grande Lisboa estão os mais desconfiados (62 por cento contra 59,8 no Grande Porto).Entre os que acreditam que Sócrates mentiu, 74 por cento julgam que essa mentira não tem qualquer justificação, enquanto apenas 19,6 a consideram aceitável. Os mais intolerantes são os activos que trabalham no sector público (78,4) e isso acontece tanto nesta questão da "mentira" como em todas as outras. Mais de metade dos funcionários públicos ou de empresas do Estado considera que o primeiro-ministo já não tem condições para continuar a governar. Quase tantos (53,7 por cento) como os que, no cômputo geral, consideram o contrário (54 por cento).É aqui que começa o paradoxo que não espanta os politólogos: o primeiro-ministro mentiu, uma mentira injustificável, mas o voto é na estabilidade governativa. "Há alguma habituação da sociedade ao facto de que os políticos mentem e isso não acontece só em Portugal", analisa António Costa Pinto, lembrando o caso de Tony Blair e da guerra do Iraque. Para o investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, acrescenta-se à desconfiança natural o "efeito persistência", devido à "sequência muito regular de escândalos associados ao primeiro-ministro no último ano e meio". Ao efeito habituação e à desconfiança, Carlos Jalali acrescenta a distância que os portugueses sentem em relação à classe política: "Politics as usual", ilustra. Mas o que mais surpreendeu este professor da Universidade de Aveiro na sondagem foi a proximidade dos que pensam que o primeiro-ministro tem condições para governar aos que pensam o contrário: oito pontos percentuais (54 por cento versus 46). "São números interessantes", reconhece.PS e PSD crescemMais interessantes se tornam quando se procura a tendência de voto actual. Os inquiridos, que rejeitam em grande percentagem a recomposição do Governo sem eleições antecipadas (64,8), dariam nova maioria ao PS se houvesse legislativas. Retirados os indecisos e os que não votam, os socialistas conquistariam 40,3 por cento dos votos, mais sete por cento que os sociais-democratas.Desconfiados, intolerantes, mas ainda assim dispostos a dar uma nova oportunidade aos socialistas? Porquê? Marina Costa Lobo, investigadora do Instituto de Ciências Sociais, explica a contradição pela conjuntura: "O contexto económico e a fase de transição de liderança do PSD. Apesar de haver uma deterioração da situação política, não há condições para realizar eleições."Se o PSD se apresentasse já como uma alternativa de poder, talvez as coisas fossem diferentes - aqui a opinião é unânime entre os politólogos, incluindo André Freire, do ISCTE. O que varia é a importância que dão a esse facto. "As opiniões são muito diferentes quando há a percepção de uma alternativa válida", defende António Costa Pinto. Carlos Jalali analisa através de um outro prisma: "A tendência dos últimos anos é que quem está no poder é que o perde, não é a oposição que o ganha." E Sócrates ainda não o perdeu.
Mas nem essa "mentira" nem a alegada ligação de José Sócrates a escândalos recentes lhe retiram condições para governar. Aliás, se as eleições fossem hoje, o PS voltava a ganhar e reforçava mesmo a sua votação, ficando à beira da maioria absoluta. Um paradoxo com diferentes explicações, na análise dos politólogos.Primeiro os números. São 607 os inquiridos, num universo de 1015, que estão convencidos de que o primeiro-ministro mentiu deliberadamente na Assembleia da República, contra 408 que pensam o contrário. E ninguém deixou a pergunta sem resposta. Quem desconfia mais?Os homens desconfiam mais do que as mulheres (63,7 por cento contra 56,2) e quanto mais novos menos acreditam que Sócrates disse a verdade: 63 por cento dos sub-34, contra 55 por cento dos seniores com mais de 55 anos. Valores semelhantes à variação entre activos e não activos. Na Grande Lisboa estão os mais desconfiados (62 por cento contra 59,8 no Grande Porto).Entre os que acreditam que Sócrates mentiu, 74 por cento julgam que essa mentira não tem qualquer justificação, enquanto apenas 19,6 a consideram aceitável. Os mais intolerantes são os activos que trabalham no sector público (78,4) e isso acontece tanto nesta questão da "mentira" como em todas as outras. Mais de metade dos funcionários públicos ou de empresas do Estado considera que o primeiro-ministo já não tem condições para continuar a governar. Quase tantos (53,7 por cento) como os que, no cômputo geral, consideram o contrário (54 por cento).É aqui que começa o paradoxo que não espanta os politólogos: o primeiro-ministro mentiu, uma mentira injustificável, mas o voto é na estabilidade governativa. "Há alguma habituação da sociedade ao facto de que os políticos mentem e isso não acontece só em Portugal", analisa António Costa Pinto, lembrando o caso de Tony Blair e da guerra do Iraque. Para o investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, acrescenta-se à desconfiança natural o "efeito persistência", devido à "sequência muito regular de escândalos associados ao primeiro-ministro no último ano e meio". Ao efeito habituação e à desconfiança, Carlos Jalali acrescenta a distância que os portugueses sentem em relação à classe política: "Politics as usual", ilustra. Mas o que mais surpreendeu este professor da Universidade de Aveiro na sondagem foi a proximidade dos que pensam que o primeiro-ministro tem condições para governar aos que pensam o contrário: oito pontos percentuais (54 por cento versus 46). "São números interessantes", reconhece.PS e PSD crescemMais interessantes se tornam quando se procura a tendência de voto actual. Os inquiridos, que rejeitam em grande percentagem a recomposição do Governo sem eleições antecipadas (64,8), dariam nova maioria ao PS se houvesse legislativas. Retirados os indecisos e os que não votam, os socialistas conquistariam 40,3 por cento dos votos, mais sete por cento que os sociais-democratas.Desconfiados, intolerantes, mas ainda assim dispostos a dar uma nova oportunidade aos socialistas? Porquê? Marina Costa Lobo, investigadora do Instituto de Ciências Sociais, explica a contradição pela conjuntura: "O contexto económico e a fase de transição de liderança do PSD. Apesar de haver uma deterioração da situação política, não há condições para realizar eleições."Se o PSD se apresentasse já como uma alternativa de poder, talvez as coisas fossem diferentes - aqui a opinião é unânime entre os politólogos, incluindo André Freire, do ISCTE. O que varia é a importância que dão a esse facto. "As opiniões são muito diferentes quando há a percepção de uma alternativa válida", defende António Costa Pinto. Carlos Jalali analisa através de um outro prisma: "A tendência dos últimos anos é que quem está no poder é que o perde, não é a oposição que o ganha." E Sócrates ainda não o perdeu.
Sem comentários:
Enviar um comentário